14 de ago. de 2008

Especial - A Batalha de Jericó

Conheça o que esteve por trás da polêmica estória "The Battle for Jericho" (Teen Titans v1 #20) de Marv Wolfman e Len Wein - uma estória que fala do racismo nos anos 70 e o embrião para o surgimento de personagens como John Stewart e Jericó.

A Controvérsia acerca de Teen Titans #20

[Um artigo da Comic Book Artist Magazine #1, 2000]
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Por Paulo Egídio

 A Batalha sobre Jericho


Enquanto toda nação estava sofrendo uma transformação de consciência, debatendo vários assuntos sobre raça, pobreza, guerra, consumo, igualdade de gêneros, poluição e a guerra do Vietnã, a DC Comics estava sofrendo suas próprias mudanças tumultuosas, principalmente os efeitos de uma perda de leitores para a Marvel Comics.

Para sobreviver à competição da TV, os quadrinhos tinham que falar para os garotos usando a mesma linguagem, e a DC não parecia encontrar sinceridade no que dizia. Num esforço para trazer de volta leitores desistentes, a DC procurou estabelecer-se como uma editora relevante, mas algumas vezes meros assuntos que foram explorados voltariam para assombrá-la.

Preenchendo o vácuo deixado pelos escritores considerados párias, a nova geração de criadores contribuindo para a DC era parte do mesmo ativismo, um geração que protestava e questionava assuntos explosivos do momento. Por vezes, essas (geralmente) crenças liberais eram contrárias aos pensamentos da DC e uma inevitável falha histórica acabou se desenvolvendo. Nenhum exemplo expressa melhor a tensa divisão ideológica entre o movimento Nova Era e a Velha Guarda do que os eventos em torno de Teen Titans v1 # 20. O assunto não deve ser – perdoem-me a expressão em um artigo centrado em relações raciais - tão preto no branco.

Marv Wolfman e Len Wein estavam buscando fazer estórias com impacto e que fossem além de mero entretenimento. Eles decidiram lidar com uma perene crise americana - a vergonha da intolerância e o racismo - nas páginas de Teen Titans. “Len e eu, sendo jovens liberais, não entendíamos porque não havia nenhum super-herói negro - embora nenhum de nós fosse negro - mas vivíamos no mundo real e havia certamente negros por toda Nova York. Então, propusemos uma estória com um super-herói negro”, relembra Wolfman.

Dick Giordano, o editor, amou a estória. Na época, a editora ainda era comandada pelos donos originais e Dick, o editor, encaminhou a estória para Irwin Donenfeld, Vice-presidente da DC, que também adorou.

Donenfeld não tem lembranças do incidente e Giordano lembra pouco sobre o caso, embora tenha ele mesmo dado o aval para seguir em frente com o roteiro. Wolfman e Wein entregaram uma estória que Giordano relembra: “tinha um Q de pregação, se a memória não me falha.” Wolfman descreveu o conto: “A estória era sobre o povo tirando vantagem do racismo para usar e manipular uma gangue de jovens. Alguém vai de encontro com a gangue e tenta impedi-los. Este alguém prega a máxima de Martin Luther King de que não se pode resolver as coisas apelando para armas e violência. No final é revelado que o super-herói mascarado é o irmão de um dos garotos da gangue.”

Neal Adams conta que a estória tinha uma direção pesada. “Era cheia de comentários racistas, racismo reverso, com uma enorme quantidade de chicotadas dadas pelos jovens liberais - ‘Eu vou consertar trezentos anos de racismo, seus branquelos nojentos!’ - Esse tipo de coisa. Era um pouco demais!” Wolfman vê o conto de maneira diferente. “Naquele tempo era uma estória bastante controversa, mas ao reler agora, só posso concluir que escrevíamos muito mal”.

Mas, de acordo com Wolfman, Donenfeld viu potencial e disse: “Faça disto uma parceria e torne-a muito mais violenta. Não pare!’. Ele entendeu que o mercado e o mundo estavam mudando,e a produção seguiu em frente.

Nick Cardy desenhou 23 páginas e começou a arte final na estória intitulada “Os Titãs entram na batalha de Jericho”. Carmine Infantino descreve o trabalho como “Maravilhoso!” e Wein concorda, dizendo, “Este foi um dos mais belos trabalhos artísticos que Nick Cardy já fez”. Wolfman afirma: “Realmente trabalhamos duro nisto, pois achávamos que era uma estória importante”. Cardy disse: “Depois de todos esses anos eu realmente não me lembro dos eventos em torno do incidente.” Mas o problema surgiu não por causa da arte, mas da escolha de um assunto tão controverso.

“O problema se deu ao terminarmos o roteiro,” Wolfman conta, “Depois que ele foi aceito, desenhado, arte-finalizado, diagramado e colorido, Donenfeld saiu e entrou um novo editor.” “Eu lembro de olhar para a estória e rejeitá-la totalmente”, Infantino explica, “Giordano tinha aprovado o trabalho, eu acredito, mas depois que estava feito, achei que era tão terrível que não podia imprimi-lo. Simples assim. Não lembro de nenhum detalhe específico agora, mas eu sei que apenas não gostei e tive que usar meu melhor julgamento.”.

Giordano também esquece alguns aspectos: “Eu realmente não lembro o que irritou Carmine, mas Neal estava em oposição a mim no corredor, com aqueles escritórios pequenos, Carmine veio até a porta - sem entrar - e disse alguma coisa do tipo, ‘Richie, olhei aquela revista, eu não gosto dela e não vamos publicá-la. Consiga uma nova estória’. E então se foi.”

Wein relembra, “Naquele último minuto Carmine se reteve e ficou com medo de que não seríamos capazes de vender a revista no Sul e que todas essas coisas terríveis aconteceriam. Assim, ele simplesmente cancelou o trabalho e disse: ‘Não, nós não vamos fazer isso.’ Isto foi menos de uma semana antes da revista ir para a gráfica.” E, Giordano comentou: “A capa já estava pronta e impressa, então, ela tinha que ter ‘Jericho’ no título e alguma coisa a ver com a ação na capa.”

Algo tinha que ser feito. Rápido. “Neal, no fim do corredor, ouvia a tudo”, Giordano conta, “Ambos tínhamos essa relação maravilhosa na DC de sermos capazes de nos comunicarmos sem conversar - às vezes, você tinha que fazer isso”. Logo depois de Carmine ter jogado o trabalho em meu colo, Neal entrou e olhou para eles. Ele disse, ‘O que vocês vão fazer? ’ Eu disse, ‘Não sei. Vou pra casa pensar sobre isso. Amanha decidirei.’ Voltei na manhã seguinte e havia sete páginas. Ele tinha ficado acordado a noite toda, desenhando.”

“Eu fui procurado pelos indivíduos como o ‘defensor da fé,’’, Neal explica, “E recebi o roteiro dos irritados Len e Marv com o pedido de lê-lo e ver se havia qualquer coisa errada com ele por causa de uma administração doida que parou o trabalho”. Eu li e senti que tinha passado do ponto e ofendia as pessoas brancas do mesmo modo que as pessoas de cor tinham sido ofendidas por centenas de anos - isto não era legal; Eu poderia ajudar nisto, mas não em face de uma total rejeição. Esta era uma revista em quadrinhos média, e eram os Teen Titans! A estória era simplesmente um pouco demais! Primeiro me ofereci para editá-la e tentar salvá-la, mas minha edição foi rejeitada.

Wein relembra, “Eles não aceitariam uma nova versão do roteiro e acabaram por fazer uma coisa totalmente nova que surgiu no lugar do que tínhamos feito”. “Adams se ofereceu para reescrever o trabalho inteiro,” Wolfman lembra. “Ele fez isso e tudo havia acabado. Naquele momento nós todos entendemos que o trabalho não havia morrido por causa de um péssimo roteiro, mas porque continha um super-herói negro.” Adams afirma que foi até a direção implorar pelo salvamento do trabalho, dizendo que iria reescrever a estória, e que os rapazes exageraram, mas não é uma razão para nunca mais oferecer trabalho para eles.”

Adam diz que basicamente o que o editorial estava dizendo era não dar para eles qualquer trabalho porque eles não eram confiáveis. Eu disse, ‘Isto foi apenas entusiasmo, então não vamos jogar fora a criação com o criador. Vou reescrever esta estória e vou fazer a arte-final. A situação já foi longe demais, assim vamos acabar com isso. Vou remendar a estória.”

O assunto agora era se livrar do trabalho, então Giordano diz que questionou Adams - “Você pode terminá-lo a tempo? Carmine esta bufando no meu pescoço”. Se Adams ficou acordado a noite toda escrevendo no intuito de salvar a arte de Cardy ou desenhando o começo de umane esta bufando no meu pescoço.est estória totalmente nova é discutível, mas um aspecto não se podia discordar: O futuro do time Wein e Wolfman estava em sério perigo na DC. “Eu conversei com Len e Marv, mas eles estavam muito irritados,” Neal disse. ‘Falei que refaria a estória e nós jogaríamos aquelas referências fora.’ Eles protestaram, ‘Como assim!? Ora essa, Neal, você não acha que isto é injusto?’ Eu disse, ‘Caras! Vocês estão certos, mas eles não querem dar a vocês mais nenhum trabalho no futuro por causa disto. Este é um negócio muito sério! Eu preciso que vocês engulam isto por enquanto. ’ Eles disseram, ‘Oh, não é justo! Isto é uma droga!’ “Eu estava tentando trazer a paz, mas parecia que não estava funcionado.

Eu queria aqueles caras trabalhando para a DC no futuro e não podia deixar isto prosseguir, então eu tive que tomar uma decisão arbitrária e segui com a oferta que fiz a DC. Assim, eu realmente terminei o trabalho e dei a Cardy para arte finalizar. “Carmine finalmente aceitou e não levou muito tempo para Len e Marv escreverem de novo para a DC.” Algumas das páginas originais de Cardy foram usadas na versão final. “Eles usaram cerca de cinco páginas, incluindo a capa,” Wolfman disse “Mas eles jogaram um tom azulado sobre os personagens negros na capa assim você não saberia necessariamente que eles eram negros- Embora se você olhasse com cuidado, você pode ver que eles são.”

Havia uma última conseqüência negativa para a reputação dos escritores na DC. “ A partir desse ponto, Len e eu estávamos ambos numa lista negra por cerca de dois anos,” Wolfman afirma, continuando, “Mais tarde eu usei o nome Jericho para um titã em The New Teen Titans. Embora ele não tivesse nada a ver com a estória do Jericho original, eu estava determinado em usar o nome.” Mas trabalhos ocasionais chegaram em suas mãos pelo intermédio de simpáticos editores. “Eu era capaz de escrever a origem da Moça-Maravilha (e alguns contos misteriosos), por exemplo,” Wolfman disse, “Dick e Joe Orlando nos passavam pequenas estórias por debaixo da mesa.”

Neal viu uma repercussão mais positiva: “Eu acho que este incidente mais tarde deu à luz a decisão editorial de aceitar um Lanterna Verde negro, e talvez nós devêssemos dedicar aquela estória a Len, Marv e Joshua.”

Uma justa avaliação da controvérsia - mesmo se existiu um “certo” ou “errado” neste incidente - não pode ser feita até a estória inteira (tanto as páginas de Cardy ou o roteiro de Marv) for encontrada e publicada. Marv e Len realmente “exageraram” com um virulento diálogo racial, ou foi uma direção “covarde” em lidar com assuntos raciais (o que poderia ter sido o primeiro super-herói negro da DC) nos quadrinhos? É o nosso sincero desejo que os donos das “páginas perdidas” apareçam e compartilhem seus tesouros com o resto do mundo.A CBA tem esperanças de publicar a estória completa quando ela chegar a ver a luz do dia.

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